Você já se pegou achando que ama alguém, mas depois de um tempo percebeu que nem gostava tanto assim? Já confundiu desejo com amor? Ou sentiu que gostava mais da ideia de estar com alguém do que da pessoa em si? Pois é. Eu também.
Por muito tempo, achei que gostar de alguém era algo automático, algo que simplesmente acontecia. Mas, depois de muita reflexão, percebi que o número de pessoas que eu achei que gostei talvez seja bem menor do que imaginava. Quase inexistente. E eu vou além: boa parte das pessoas nunca experimentou o estado real de gostar de alguém.
Crescemos cercados pela ideia de que o amor é esse sentimento arrebatador, incontrolável, essa coisa que faz as pessoas agirem como loucas, cometerem excessos, mudarem suas vidas inteiras. É o que vemos em livros, filmes, redes sociais. É como se o mundo todo estivesse apaixonado o tempo todo. Mas o que isso significa de verdade?
Eu sou relativamente nova nesse assunto. Só tive uma crush, uma atração passageira e, aí sim, algo real. Então, categorizar o que eu sentia não foi nada fácil. O Google até dá a definição de paixão e amor, mas, na prática, distinguir um do outro não é tão simples quanto parece. E foi nesse processo que eu quase perdi o amor da minha vida.
O que me fez entender essa diferença foi perceber que gostar não é só sentir algo forte por alguém. A gente pode sentir desejo, obsessão, encantamento – e nada disso ser amor. Muitas vezes, o que chamamos de "amor" é apenas uma necessidade oculta sendo projetada em alguém.
A gente busca no outro aquilo que falta em nós. Às vezes, sem nem perceber.
Se você olhar para os padrões das pessoas por quem já se interessou, pode ser que note algo curioso. Sabe quando alguém muito inseguro só se atrai por pessoas extremamente confiantes? Ou alguém super organizado sempre se apaixona por pessoas caóticas? Parece coincidência, mas, na verdade, isso pode ser um sintoma de algo mais profundo.
Carl Jung e sua discípula Marie-Louise von Franz estudaram isso. Muitas vezes, nos apaixonamos pelo que nos falta, pelo nosso oposto. Mas essa atração pode ser uma armadilha. Em vez de buscar desenvolver aquela característica em nós mesmos, terceirizamos para o outro.
Pensa no Artur, por exemplo. Um cara gentil, tranquilo, que evita conflitos a qualquer custo. Ele sempre se apaixona por pessoas impulsivas, que falam o que querem e tomam decisões sem medo. No fundo, o que atrai o Artur não é exatamente a pessoa, mas a sensação de que ela preenche algo que ele não consegue expressar. Ele não escolhe gostar dessas pessoas – a necessidade escolhe por ele.
Isso é um relacionamento neurótico.
A neurose faz a gente confundir necessidade com gosto. Se o Artur realmente gostasse daquela pessoa impulsiva, ele poderia aceitá-la por inteiro, com todas as suas nuances. Mas não. Ele precisa dela para compensar algo que falta nele. Por isso, quando a relação dá errado, ele não aprende. Só troca de pessoa, mas mantém o padrão.
O mais assustador disso é que podemos passar a vida inteira achando que gostamos de alguém quando, na verdade, só precisamos dela.
Foi entendendo isso que eu finalmente vi a diferença entre paixão e amor. A paixão, muitas vezes, nasce da neurose, do desejo de ter algo que nos falta, da projeção de uma idealização. Já o amor... O amor é outra coisa.
Amar é escolher a pessoa, não pelo que ela te dá ou pelo que representa, mas pelo que ela é. Sem expectativas irreais, sem transformá-la numa necessidade. Amar não é precisar, é querer estar ali, consciente e inteiro.
Você não se sente preso, não tem medo de se posicionar, de dizer o que pensa, de discordar. Porque no amor não existe esse receio constante de que uma conversa difícil vá destruir tudo. O amor verdadeiro não se mantém pelo medo, mas pela escolha. E essa escolha só é possível quando ambos sabem que são inteiros sozinhos, mas ainda assim preferem ficar juntos.
Percebi isso em algumas conversas com a minha namorada e adoro o fato de podermos discordar sem problema. Às vezes chegamos a um consenso, e quando não, tudo bem também. Isso não afeta nossa relação de forma alguma.
O apego te faz segurar alguém com medo de perdê-lo. O amor te faz querer que a pessoa fique, mas sem forçar nada. Se você precisa convencer alguém a te amar ou provar o tempo todo que vale a pena, isso não é amor.
Foi um aprendizado difícil para mim porque, por muito tempo, confundi esses conceitos. E, sendo sincera, ainda estou aprendendo. Mas uma coisa eu sei: entender essa diferença me salvou de perder quem eu amo.
E foi assim que eu me dei conta de que amo ela. Eu já sabia disso, mas nunca havia me aprofundado tanto na questão do porquê.
Paixão:
— Um sentimento ardente, irracional e viciante. Quando você está apaixonado, é como se estivesse embriagado pela presença da outra pessoa. Você não enxerga defeitos, não pondera consequências, não mede esforços. Você quer tudo dela – e quer agora. Cada mensagem ignorada é uma punhalada, cada demonstração de interesse é uma dose de euforia. É uma montanha-russa emocional. Você não ama a pessoa, você ama o efeito que ela causa em você.
Gostar:
— Um estágio mais calmo. Quando você gosta de alguém, não é sobre intensidade, e sim sobre constância. Você sente carinho, admiração, quer estar por perto, compartilhar momentos, conhecer a pessoa de verdade. Você não sofre de ansiedade extrema quando está longe, nem sente uma necessidade incontrolável de ser correspondido a todo custo. Mas ainda assim, gostar não significa amar. Você pode gostar muito, mas não amar.
Amor:
— Amor é gostar e escolher a pessoa por quem ela realmente é. Quando você ama, a presença dela te acalma em vez de te deixar em estado de alerta. O tempo não corrói o sentimento, apenas o amadurece. Você não está com ela porque precisa, mas porque quer. Você não projeta suas faltas, não a transforma em um símbolo, não a reduz a um papel na sua vida. Amar não é esperar que a pessoa seja perfeita, mas querer ficar, mesmo conhecendo suas imperfeições.
Quando você ama de verdade, só a possibilidade de magoar a outra pessoa já parece assustadora. Algo que você diria sem pensar duas vezes para qualquer um, de repente, se torna uma escolha ponderada. Uma mensagem que você enviaria, você já não mais envia porque considera a chance de feri-la. Isso é amor.
O amor é cuidadoso. Ele não vem da necessidade, mas da escolha. Não sufoca, não pesa, não exige um vazio para preencher. O amor é calmo. Diferente da paixão, que te deixa em estado de alerta, acelerado, consumido pelo desejo e pela intensidade do momento, o amor não exige essa exaltação constante. Você não precisa estar sempre em êxtase, nem sentir que está ‘ligado no 220’ ao lado daquela pessoa. Às vezes, vocês podem simplesmente existir juntos, sentados lado a lado, cada um imerso em suas próprias coisas, sem precisar dizer nada — e isso não significa que haja menos amor ali. Pelo contrário, significa que ele está onde deveria estar: seguro, presente, sem precisar se provar a todo instante.
Ele Existe Porque Você Quer Que Ele Exista.
Amor não é escolher a pessoa certa, e não existe pessoa certa. Isso foi uma coisa que o cinema inventou, mas não é verdade – e, ainda bem, porque se existisse, a chance de vocês se encontrarem seria tão baixa que você provavelmente passaria a vida toda procurando e morreria nessa procura.
Amar é escolher a pessoa “errada”, mas que erra de um jeito que você aguenta, e que, mesmo errando, se esforça para acertar. E assim, ela se torna a pessoa certa para você.
Mas não se engane, mesmo com essa calma, isso não substitui o fato de que ainda deve haver atração. Amar alguém não significa apenas se sentir confortável ao lado dela, mas também se lembrar, vez ou outra, do porquê a ama. Esse frio na barriga repentino, a adrenalina de perceber o quanto aquela pessoa ainda te afeta, é parte do amor também.
Dedicatória:
Esse texto é sobre como descobri a diferença entre paixão e amor. Mas, no fundo, ele sempre foi sobre você. Sobre como, toda vez que me pergunto se ainda sinto a mesma coisa, a resposta é sempre sim.
Sim sou cringe, morri de diabetes escrevendo isso, amei.
Se você quiser algo mais aprofundado leia e assista:
“Você nunca gostou de ninguém “
“O uso de procedimentos projetivos na pesquisa de representações sociais: projeção e transicionalidade”
“A terapia de casal junguiana: um estudo teórico da prática clínica”
“A paixão como projeção: Quando esse sentimento aprisiona”
(infelizmente eu não achei os links de tudo mas o nome está aí pra quem quiser procurar.)
Mano, que texto absurdo de bom! Dá pra sentir que veio do fundo do coração. Você conseguiu explicar de um jeito muito real como a gente confunde paixão, necessidade e amor, e como, no fim, amar é mais sobre escolher do que precisar. A parte sobre projetar no outro o que nos falta bateu forte. Quantas vezes a gente acha que ama, mas no fundo só tá tentando preencher um vazio? E essa visão do amor como algo calmo, seguro, sem precisar de validação o tempo todo... foi um tapa na cara, no melhor sentido possível. Sem falar no toque de humor no final – perfeito pra equilibrar o peso da reflexão. Texto foda, me fez pensar muitO
por tanto tempo eu tentei decifrar isso, entender se era paixão ou desejo, ou uma falta de algo, e com um texto abriu minha mente para a verdade