Recentemente, o presidente Lula declarou que, se os produtos estão caros, a solução é simples: basta não comprar. A lógica por trás dessa fala parece seguir um raciocínio econômico básico que pode até fazer sentido – se a demanda cai, os preços tendem a baixar. Mas a realidade é bem mais complexa, e essa afirmação ressoa de maneira preocupante com outra frase histórica, atribuída (falsamente) a Maria Antonieta: "Se não têm pão, que comam brioches."
A rainha francesa, de acordo com o mito, teria dito isso ao ser informada de que o povo não tinha pão para comer. A frase, claro, serviu para reforçar a imagem de uma elite completamente alheia ao sofrimento da população, incapaz de entender que, se alguém não tem dinheiro para comprar pão, certamente não terá para comprar um alimento ainda mais caro. O detalhe curioso é que historiadores acreditam que Maria Antonieta nunca disse isso – a frase foi registrada por Jean-Jacques Rousseau em Confissões, publicada quando a rainha ainda era uma criança. Provavelmente, foi usada como uma forma de propaganda durante a Revolução Francesa para ilustrar a desconexão entre os governantes e o povo.
Seja verdade ou não no caso de Maria Antonieta, o raciocínio por trás da frase continua sendo um erro comum, repetido até os dias de hoje. A fala de Lula segue essa mesma lógica ao tratar o consumidor — nós — como o único responsável pelos preços dos produtos, ignorando fatores como inflação, monopólios e a falta de alternativas acessíveis. Afinal, não comprar supérfluos pode ser uma escolha viável, mas o que acontece quando o que está caro é o arroz, o feijão, o gás de cozinha? Como "não comprar" resolve um problema que envolve necessidades básicas?
O mito da oferta e demanda simplificada
Lula argumentou que, se a população parasse de comprar produtos caros, os preços cairiam. Em teoria, isso pode funcionar para bens supérfluos — Desnecessários —, mas não para produtos essenciais. Alimentos básicos, combustíveis e eletricidade não seguem uma lógica de precificação tão simples. O preço do arroz, por exemplo, depende de fatores como safra, exportação, políticas de estoque regulador e até do clima. Já o preço da gasolina é atrelado ao mercado internacional e sofre influência direta da política de impostos e dos monopólios do setor. Mesmo que o consumo caia, o preço pode continuar alto porque esses produtos não são vendidos apenas com base na demanda interna.
Governos já tentaram intervir no preço desses produtos de diversas formas, e os resultados nem sempre foram positivos. Durante a Ditadura Militar, no Brasil, houve congelamento de preços para conter a inflação, mas isso gerou escassez e estimulou o mercado negro. Nos anos 80, o Plano Cruzado tentou segurar os preços na canetada, levando ao desabastecimento e a filas nos supermercados. Esses casos mostram que a relação entre preço e consumo não é tão simples quanto “não compre que o preço baixa”.
Esse tipo de raciocínio também aparece em outras áreas. Nos últimos anos, tornou-se comum ver consumidores sendo incentivados a boicotar produtos e marcas para pressionar mudanças. Grandes empresas já enfrentaram boicotes devido a questões ambientais, trabalhistas ou políticas. No entanto, raramente isso afeta os preços dos produtos – as empresas preferem reformular campanhas e buscar outros públicos em vez de realmente baixar os preços.
O Caso Elon Musk e a Falsa Solução Para a Fome Mundial
Outro exemplo recente desse pensamento aplicado a problemas complexos é a narrativa de que Elon Musk teria oferecido 6 bilhões de dólares para acabar com a fome mundial, mas que a ONU teria recusado a oferta. Esse caso se espalhou como um "fato" na internet, sendo usado como prova de que o problema da fome poderia ser resolvido facilmente, mas que organizações internacionais estariam deliberadamente impedindo isso. Na realidade, a história foi bem diferente.
O Programa Alimentar Mundial da ONU (WFP) divulgou um relatório explicando que, para mitigar a fome extrema no mundo, seriam necessários cerca de 6,6 bilhões de dólares. Elon Musk, por sua vez, desafiou a ONU no Twitter, dizendo que venderia ações da Tesla para doar o valor, desde que a ONU apresentasse um plano transparente de como o dinheiro seria usado. O WFP respondeu com uma proposta detalhada, mas Musk nunca fez a doação. O dinheiro nunca foi entregue, e a suposta recusa por parte da ONU nunca aconteceu. O que restou desse episódio foi uma falácia que muitos repetem até hoje, acreditando que o problema da fome poderia ser resolvido com um simples cheque bilionário.
Musk, aliás, já fez outras promessas públicas que não se concretizaram, como a declaração de que resolveria a crise de água em Flint, Michigan, ou sua promessa de colonizar Marte. Essas promessas muitas vezes servem mais para autopromoção do que para soluções reais.
O problema desse tipo de pensamento é que ele transfere a culpa de problemas sistêmicos para o cidadão comum. Se os preços estão altos, a culpa é sua, porque você continua comprando. Se alguém é pobre, a culpa é dela por não ter se esforçado o suficiente, e não dos bilionários que se recusam a abrir mão de sua riqueza. Essas narrativas como a crença de que a fome mundial poderia ser erradicada apenas com um bilionário assinando um cheque só prova o quanto as pessoas realmente acham que as coisas poderiam ser resolvidas de forma simplista.
é tão triste como somos tratados com desdém sendo que somos que fazemos o mundo girar
Texto excelente e muito explicativo! Obrigada por compartilhar informações tão valiosas de forma clara e honesta!